terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

IRINEU EVANGELISTA DE SOUZA, O BARÃO DE MAUÁ.


IRINEU EVANGELISTA DE SOUZA: 
ANACRONISMOS, EMPREENDEDORISMOS E ANGLOFILIA.


Em pleno regime escravista e sem um mercado interno forte, surge um empresário capitalista juntamente 
com os primeiros surtos industrialistas no Brasil, de feitos visionário, com grande porte empreendedor e simpatizante dos ingleses, Irineu Evangelista de Souza, ou mais conhecido como Barão de Mauá, torna-se então figura chave no desenvolvimento econômico do Brasil. Dentre vários aspectos, esta analise sobre o Barão de Mauá paira sob: sua origem, as influências que fomentaram seus ideais, por conseguinte sua anglofilia, os anacronismos que envolvem essa personagem, os desenvolvimentos econômicos que proporcionou no Brasil e em outros países e por fim a especulação de câmbio, uma das maiores fontes de lucros do Barão de Mauá.





’Uma destas grandes figuras, do Brasil, no século XIX foi Irineu Evangelista de Souza, nascido na cidade de Nossa Senhora da Conceição do Arroio Grande, na Capitania Del-Rey de São Pedro do Sul, estado do Rio Grande do Sul, no dia 28 de dezembro de 1813’’¹. Oriundo de família simplória cresceu sem luxos. Após o assassinato de seu pai, em 1819, sua mãe casa-se novamente, entregando Irineu ao seu tio paterno, José Batista de Carvalho. Irineu muda-se para o Rio de Janeiro e passa a trabalhar para João Rodrigues Pereira de Almeida, futuro Barão de Ubá, um dos maiores atacadistas do Império. De guardador de livros do patrão, Irineu na transitoriedade dos anos passa a auxiliar de contabilidade de Ricardo Carruthers, dono da empresa inglesa Carruthers & Irmãos, a maior credora da firma de Pereira de Almeida, que houvera entrado em falência. Por conseguinte Irineu começa a absorver os hábitos e incorporar a mentalidade capitalista inglesa. Com Carruthers, aprende inglês, aritmética e contabilidade, tendo seu comportamento cada vez mais influenciado por Adam Smith, Stuart Mill, Milton, Shakespeare.

‘’ Embora Irineu Evangelista de Sousa tivesse algum conhecimento de Economia Política, obtido através da leitura dos manuais de José da Silva Lisboa - o Visconde de Cairu - foi somente após transferir-se para a Carruthers & Cia., que cursou a disciplina completa, ministrada, pelo seu patrão, durante os finais de semana e no período da noite. Deste modo, foi através de Carruthers, que Mauá conheceu a Inglaterra sem ter saído do país e obteve uma formação ‘tipicamente inglesa’, transformando-se num brasileiro único, que se diferenciava do ambiente que o cercava. Aprendeu o valor do crédito em negócios mais amplos, numa praça comercial em que a circulação monetária era reduzida. Destacou-se pela seriedade e por levar uma vida na qual os prazeres materiais foram colocados de lado.’’²

Em pouco tempo Irineu torna-se o gerente da firma inglesa, e logo depois, sócio de Carruthers, consolidando assim seu nome no Rio de Janeiro e também no Rio da Prata e alhures.
Em sua visita à Inglaterra, durante as férias, Irineu depara-se com o que havia de mais moderno no conceito de produção e industrialização, percebendo a importância da indústria de base para o país, do manejo do ferro e de metais, sem as quais as demais indústrias subsequentes não poderiam surgir. Esta seria a condição necessária para que a indústria desenvolve-se no Brasil.

Irineu passa a assumir a vertente industrial – produtiva, tendo a chance de colocar a nação brasileira em um novo patamar, desenvolvimentista. Comparemos essa observação com a de Richard Graham: ‘’ um estudo acurado e imparcial de documentação daquela época - e ainda existente - nos mostra Mauá procurando entusiasticamente auxiliar e contribuir para o aumento do poderio econômico britânico no Brasil. Defendeu os interesses ingleses quando surgiram divergências com companhias brasileiras, mesmo sabendo que as primeiras não tinham razão, apenas, como dizia, simplesmente para preservar o "crédito do Brasil em Londres". O que realmente o preocupava era a modernização do país, e os meios para alcançar este objetivo, os quais, pensava ele, encontravam-se nas mãos dos homens de empresa de diversas nacionalidades, legítimos representantes do sistema capitalista.’’³, sugerindo que Irineu seria um empresário associado aos ingleses, uma análise sobre a entrada de capital estrangeiro no pais, referindo-se ao empresário como o"anglófilo Visconde de Mauá". Entretanto com sua postura empreendedora para com o Brasil, destaca-se o ‘’nacionalista’’ pintado por Nelson Werneck Sodré, ‘’ Mauá não lutaria apenas com as resistências dos latifundiários, levantadas pelos seus representantes políticos; lutaria também contra os investimentos britânicos que disputavam agora a renda nacional, buscando instalar-se nas áreas mais rentáveis, sob regime de integrais garantias, particularmente as do transporte, marítimo e terrestre, e a dos serviços públicos urbanos. Suas iniciativas, por isso mesmo, vão sendo dificultadas e transferidas aos ingleses. ‘’⁴ analisando-o em contraposto, como um ‘’nacionalista’’ em luta contra o latifúndio retrógrado, afrontando os interesses britânicos. Mauá pensava em sair do Mercantilismo e entrar de vez na Revolução Industrial. Em 1844, caduca o Tratado comercial com a Inglaterra, é aprovada a Lei Alves Branco que eleva as tarifas de importação entre 30 e 60%, ao mesmo tempo isenta as indústrias "instaladas no país" do pagamento de impostos sobre as importações. ‘’Nenhuma nação deve fundar exclusivamente todas suas esperanças na lavoura, na produção da matéria bruta, nos mercados estrangeiros. Um povo sem manufatura fica sempre na dependência dos outros povos e, por conseguinte, nem pode fazer transações vantajosas, nem avançar um só passo na carreira de sua riqueza.

A indústria fabril interna de qualquer povo é o primeiro, mais seguro e mais abundante mercado de sua indústria. É de mister, com fé firme da indústria fabril (...), por meio de uma tarifa anualmente aperfeiçoada e mais a mais acomodada ao desenvolvimento do nosso país.’’ (5)

Percebendo o cenário benéfico na qual a nova política tarifária proporcionaria boas perspectivas para o desenvolvimento industrial e bancário, com sua grande visão empresarial, Irineu já pertencente a maçonaria, percebendo a importância das relações pessoais da sociedade escravista e atrasada em que vivia estabelecendo relações de intimidade com as pessoas mais influentes do governo e da elite oligárquica, o que lhe facilitaria e muito dentre suas conquistas empreendedoras; Irineu cria a ‘mãe das outras indústrias’, a indústria de ferro uma fundição e estaleiro em Ponta de Areia, em Niterói - RJ. Da Ponta da Areia saíram os navios e canhões para as lutas contra Oribe, Rosas e López.
De acordo com Roberto Bianchi os componentes nacionalistas para com Mauá, podem ser compreendidos em função dos interesses do setor privado em justificar a "desestatização da economia". Pode-se qualificar o discurso do editor de um "nacionalismo às avessas" – a reconstrução da Nação, através da retração da máquina estatal. Para Bianchi o novo projeto de Nação estava vinculado ao fortalecimento do setor privado frente ao poderio estatal. Não caberia mais ao Estado a condução de um projeto nacional.
Porém, o ideal conservador do 2º Reinado se chocava com todas essas ideias de progresso do Barão. Os grandes partidos conservadores não admitiriam uma outra forma política, o desenvolvimento industrial, em um país agrícola. Para Caldeira: ‘’O crescimento de seus negócios aturdia, numa sociedade que funcionava no ritmo de seu comando político – quase imutável. No Brasil imperial havia uma crença forte de que a agricultura era a única grande fonte de riqueza, e que além dela só o comércio podia se desenvolver no país.’’ (6)

Mauá tinha um projeto bem delineado de interligação das diferentes regiões do Brasil, através de uma rede de meios de comunicação em que intercalava o transporte fluvial, ferrovia e rodovia; nessa ordem de prioridade, tendo como critério a razão custo/beneficio. E o que demonstra no trecho sobre a construção das ferrovias, consideradas fundamentais na "tarefa da unidade nacional, batendo de frente o obstáculo da extensão do território com as primeiras linhas de estradas de ferro, ao norte com a Estrada de ferro Recife a S. Francisco (1855), e ao sul com a D. Pedro II (1853) e a navegação"

As ideias de progresso levam a uma trama feita pelo Imperador e o Visconde de Feitosa, ao se defender dessa trama Mauá acaba atraindo a ira de seus antigos aliados ingleses. Por conseguinte, os prejuízos de Mauá somam-se na companhia mineradora, lançada por Reynell de Castro, em Londres, vinculados ao London and Brazilian. Estando defasada em Londres a credibilidade de Mauá, em meio aos seus antigos parceiros ingleses, agora inimigos, alegando que este investira dinheiro inglês em negócios duvidosos. À beira da falência, Mauá tem uma audiência privada com o Imperador, onde destila sua mágoa contra o que considera uma conspiração não contra ele, mas contra o futuro do Brasil.
"Mauá teve que conquistar o seu lugar ao sol. Foi um ‘self made man’ que, enriquecendo no comercio, voltou-se depois ao interesse de sua pátria" (7).
As Fábricas de Mauá passaram a sofrer sabotagens criminosas e seus negócios atingidos pela legislação que sobretaxava as importações. Foi deputado pelo Rio Grande do Sul, mas renunciou ao mandato, para cuidar de seus negócios, ameaçado desde a crise bancária. Com a falência do Banco Mauá (1875), obrigou-se a vender maior parte de suas empresas a capitalistas estrangeiros. Adoeceu por conta de ser diabético, Mauá só descansou depois de pagar todas as dívidas, encerrando com nobreza, embora sem patrimônio.

Ao longo da vida recebeu os títulos de Barão (1854) e Visconde com grandeza (1874) de Mauá.

Entre uma aparente dicotomia, ‘especulador do setor comercial financeiro e o construtor de grandes empreendimentos’, sob um olhar detalhado nos documentos organizados sob o nome Arquivo Mauá, depositada no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fazem revelações sobre os negócios do empresário. Este arquivo consiste, na sua grande parte, de correspondência bancaria a agentes do Banco Mauá na Região da Prata e na Europa, alem de cartas avulsas a políticos do Brasil e de países sul-americanos. Mas, a maior parte do conteúdo trata de instruções sobre o desconto e remessa de letras de cambio. ‘Uma letra de cambio envolve operações financeiras e/ou comerciais que trabalham com duas ou mais moedas’ (8). Mauá dirigia sua rede bancaria do Rio de Janeiro, onde recebia de seus correspondentes os índices de cada localidade em que havia estabelecido uma sucursal; de posse desses dados, ele calculava as diferenças cambiais de uma cidade para outra e definia as melhores operações que tirassem partido dessas taxas, envolvendo duas, três ou mais praças. ‘’Os números demonstram que eram das diferenças cambiais que Mauá tirava lucros, em media de 1,5% a 3% ao mês, números que, para os juros da época, significavam ganhos expressivos; pois, no mesmo período, o dinheiro na Inglaterra era obtido a 6% ao ano, no Rio a 8%, no Rio Grande a 12%, e na Região Platina entre 12 e 20%. Levando-se em conta o montante de capital que o banqueiro manipulava (no balanço de 1867, o capital do Banco Mauá era bem maior do que a receita do pais para o mesmo ano), 1, 2 ou 3% de ganho ao mês correspondia a um valor de grandes dimensões.’’(9)

Há de se admitir que Mauá foi para a sua época um dos homens mais ricos do continente sul-americano, unindo diferentes meios administrativos e diversos ramos da economia de diferentes países, estando sempre a frente dos mais variados e inúmeros empreendimentos. Sua tão estrondosa carreira e as mutações que com esta surgiram, acabam por permitir o uso de seu nome anacronicamente e também a análise sobre a questão da identidade nacional, o Barão de Mauá como "a grande forca econômica a favor do progresso" atuante no pais (Besouchet, 1978, p. 105-106).





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¹ GANNS, Cláudio. Visconde de Mauá - Autobiografia (“Exposição aos credores”). Rio de Janeiro: Toopbooks, 2000, p.16. O autor é bisneto de Mauá.
*² QUINTANILHA, Marli Maria Silva. A escola da vida e a formação intelectual do Visconde de Mauá. Maringá: UEM – DEF p.5
* ³ GRAHAN, Richard. Grã-Bretanha e o início da Modernização no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973, p. 210-211.
* ⁴ SODRÉ, Nelson Werneck. História da burguesia brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p. 124.
*(5) BRANCO, Manuel Alves. Proposta e relatório apresentados à Assembleia Geral Legislativa na Primeira Sessão da Sexta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda. Rio de Janeiro: 1845, p. 34.
*(6)CALDEIRA, Jorge. Mauá – O empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p.251
* (7) FARIA, Alberto de. Ireneo Evangelista de Souza, Barao e Visconde de Maua. Sao Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. Brasiliana. p 28.
*(8) 12 Por exemplo, uma venda de café para o exterior tinha o pagamento previsto normalmente para três meses; era passada uma letra, em libras, mas que seria paga em reis.
*(9) KUNIOCHI, Márcia Naomi. Mauá e o jogo do anacronismo. Biblos, Rio Grande, 16: 157-165, 2004.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA:


GANNS, Cláudio. Visconde de Mauá - Autobiografia (“Exposição aos credores”). Rio de Janeiro: Toopbooks, 2000.

Carrion, Raul K. M. Visconde de Mauá e o início da industrialização brasileira (1ª parte). Centro de Documentação e Memória. Coleção Princípios. Edição número 58 , 2000.


QUINTANILHA, Marli Maria Silva. A escola da vida e a formação intelectual do Visconde de Mauá. Maringá: UEM – DEF.
GRAHAN, Richard. Grã-Bretanha e o início da Modernização no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973.


SODRÉ, Nelson Werneck. História da burguesia brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.


BRANCO, Manuel Alves. Proposta e relatório apresentados à Assembleia Geral Legislativa na Primeira Sessão da Sexta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda. Rio de Janeiro: 1845.


CALDEIRA, Jorge. Mauá – O empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.


FARIA, Alberto de. Ireneo Evangelista de Souza, Barao e Visconde de Maua. Sao Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. Brasiliana. p 28.

KUNIOCHI, Márcia Naomi. Mauá e o jogo do anacronismo. Biblos, Rio Grande, 16: 157-165, 2004.









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