Sob um novo modelo de se entender a
história, os Annales reconstruíram no
tempo histórico uma representação histórica inspirada na estrutura social
diretamente ligada as ciências sociais com um olhar temporal, objetivando a
dominação do evento, propondo desvitalizar este que representa todas e
quaisquer mudanças e instabilidades presentes no tempo humano, trazendo a luz o
pensamento grego mítico-poético e filosófico que busca a eternidade no
presente, trata-se de movimentos regulares e não do transitório, sob a
perspectiva das ideias eternas. Diferentemente da mudança epistemológica substancial
de Heródoto sobre o homem no tempo vivido, fundamentado no movimento, transitoriedade,
mudança, sucessões, descontinuidades do tempo do Homem, Homem este temporal,
finito, histórico; em sua concepção o eterno seria indescritível, pois a
singularidade permite o acompanhamento do indivíduo e suas mudanças provendo
deste uma análise e sua descrição.
Funda-se a nova ciência por Heródoto que
enfatiza a valorização do passado.
A vertente pela qual se produz a
História, o tempo que se fala de acordo com Heródoto, contempla a necessidade do
olhar do historiador ser estruturado por uma representação do tempo histórico,
o qual o conhecimento histórico só é possível dentro deste tempo; essa
representação familiariza-se com a ideia kantiana que leva o historiador a
objetivar o mundo de certa maneira, na construção de conceitos, seleção de
objetos; tornando a realidade dos processos históricos reconhecível com sentido
e significado.
Porém tratando de outra vertente, o
tempo histórico dos Annales considera propriamente a interdisciplinaridade, na
nova representação do tempo, ao se aproximar das ciências sociais os Annales
promoveram uma revolução profunda sobre o conceito de tempo histórico, houve
uma percepção do mundo com outra temporalidade; a permanência do tempo
histórico tradicional causaria a impossibilidade da cooperação interdisciplinar
se mantivessem sua representação; A prática da interdisciplinaridade exigiu outra
representação do tempo dos homens.
A abordagem sucessiva da história
tradicional na perspectiva das ciências sociais era insatisfatória para uma
compreensão da história do século XX, opondo-se a visão da história como a
construção linear e acelerada do futuro, contra a abordagem teológica as
ciências sociais partirão para uma abordagem estrutural do tempo histórico.
Valorizam mais as transformações estruturais do que as mudanças qualitativas,
buscam na sociedade uniformidade, homogeneidade, permanência, sendo um tempo
anti-sucessão que enfatiza a interdependência dos eventos humanos, um tempo que
submete o mundo dos homens a uma lógica matemática. São contra a mudança
brusca, a aceleração do tempo produzida pela modernidade revolucionaria, contra
a implantação do futuro no presente, propondo a desaceleração do tempo;
tornando o presente mais contemporâneo, objetivando o controle da mudança
social, sendo esta previsível e harmoniosa sem quebrar as estruturas sociais.
Os eventos são amortecidos, integrados
na sociedade como elementos que a transformam, mas não a muda, a ligação do
passado com o presente torna o passado presente e tira a hipótese do presente
se tornar passado, representando assim a temporalidade, propondo de acordo com
a estrutura grega, anti-histórica que recusa a sucessão e propõe a
simultaneidade, a abstração.
A relação entre presente, passado e
futuro enfraquece-se, enquadra-se uma representação simultânea, aplicando a
dialética da duração, ou seja, as mudanças humanas enquadram-se, incorpora
homogeneidade, regularidade, reversibilidade. A mudança sempre irá pairar sobre uma
estrutura sólida que irá absorvê-la, criando a continuidade, pois no interior
das estruturas os elementos cíclicos compensam-se, mesmo o evento sendo
grandioso ele não rompe com a estrutura que o sustenta; sendo este tempo dos
Annales uma desaceleração cautelosa, a mudança que altera o mundo histórico é
vista entre as estruturas, o tempo volta a ser devir, porém não há um vínculo
entre as estruturas. A história renovou-se teórico-metodologicamente a partir
da reconstrução do tempo histórico, com um mundo histórico mais durável, mais
resistente a mudanças e menos volátil, incluindo conceitos no conhecimento
histórico como análise, problematização, quantidade. As ações humanas são percebidas
como coletivas, o homem não é somente o agente da história, mas o resultado da
mesma.
Com
esta renovação não há a possibilidade de o historiador separar a história,
dividi-la em pré-história e história, há a busca do preenchimento de lacunas,
da recuperação da palavra, não estando mais submetido a heurística a qual a
história só era possível através de documentos. A ampliação do campo dos
objetos, das fontes e técnicas históricas é a renovação advinda da proposta teórica
da história-problema, a história sendo possível pela existência do problema, este
sendo a origem da pesquisa, é o problema que dará a direção para o acesso aos
dados sobre determinado tema e a verificação de hipóteses que este provoca;
sendo então o historiador um intérprete dos processos históricos, este
interroga o passado e constrói os dados necessários que sustentam suas
hipóteses, opondo esta história-problema a narrativa da história tradicional. A história tradicional dá ênfase a história
acontecimental, o homem era visto a partir de um olhar de cima na história
política, grandes ideias, enfim uma justificativa do poder presente, visava o
particular e o singular, retira-se a narrativa histórica de povos e indivíduos
livres que caminhavam em direção a liberdade; Com a renovação dos objetos há a
mudança no conceito de fonte histórica, enfatizando os condicionamentos
econômico-sociais, revelando esta pesquisa, a longa duração. Diferentemente da
história tradicional que utilizava de documentos oficiais, a história dos
Annales utilizara de documentos que relatavam a vida cotidiana das massas
anônimas, como certidões de óbito, nascimento, contratos, testamentos.
Procurando preencher os espaços vazios, os Annales utilizavam de escritos como
psicológicos, orais, musicais, religiosos, poéticos; assim como diversas
documentações das ciências sociais: empresas, balanços comerciais, arquivos
bancários, cultos.
A
ciência dos Annales representa mais uma forma da busca pela ‘’salvação’’, como
a de um mundo pragmático cristão, ou seja, buscam a garantia de uma
estruturação do mundo dos homens com estabilidade e harmonia utópicas,
pretendendo o controle da mudança brusca, a suspensão do devir e a permanência da paz, A continuidade
controla a sucessão dos eventos, as mudanças sem controle; a utilização de uma
estratégia de evasão do tempo histórico que distancia o homem do evento brusco,
traumático, almejando um tempo harmonioso constituído pela dialética da
multiplicidade dos tempos.