terça-feira, 16 de outubro de 2012

REIS, José Carlos. Escola dos Annales. RJ: Paz e Terra, 2003.




Sob um novo modelo de se entender a história, os Annales  reconstruíram no tempo histórico uma representação histórica inspirada na estrutura social diretamente ligada as ciências sociais com um olhar temporal, objetivando a dominação do evento, propondo desvitalizar este que representa todas e quaisquer mudanças e instabilidades presentes no tempo humano, trazendo a luz o pensamento grego mítico-poético e filosófico que busca a eternidade no presente, trata-se de movimentos regulares e não do transitório, sob a perspectiva das ideias eternas. Diferentemente da mudança epistemológica substancial de Heródoto sobre o homem no tempo vivido, fundamentado no movimento, transitoriedade, mudança, sucessões, descontinuidades do tempo do Homem, Homem este temporal, finito, histórico; em sua concepção o eterno seria indescritível, pois a singularidade permite o acompanhamento do indivíduo e suas mudanças provendo deste uma análise e sua descrição. 

Funda-se a nova ciência por Heródoto que enfatiza a valorização do passado.
A vertente pela qual se produz a História, o tempo que se fala de acordo com Heródoto, contempla a necessidade do olhar do historiador ser estruturado por uma representação do tempo histórico, o qual o conhecimento histórico só é possível dentro deste tempo; essa representação familiariza-se com a ideia kantiana que leva o historiador a objetivar o mundo de certa maneira, na construção de conceitos, seleção de objetos; tornando a realidade dos processos históricos reconhecível com sentido e significado.
Porém tratando de outra vertente, o tempo histórico dos Annales considera propriamente a interdisciplinaridade, na nova representação do tempo, ao se aproximar das ciências sociais os Annales promoveram uma revolução profunda sobre o conceito de tempo histórico, houve uma percepção do mundo com outra temporalidade; a permanência do tempo histórico tradicional causaria a impossibilidade da cooperação interdisciplinar se mantivessem sua representação; A prática da interdisciplinaridade exigiu outra representação do tempo dos homens.
A abordagem sucessiva da história tradicional na perspectiva das ciências sociais era insatisfatória para uma compreensão da história do século XX, opondo-se a visão da história como a construção linear e acelerada do futuro, contra a abordagem teológica as ciências sociais partirão para uma abordagem estrutural do tempo histórico. Valorizam mais as transformações estruturais do que as mudanças qualitativas, buscam na sociedade uniformidade, homogeneidade, permanência, sendo um tempo anti-sucessão que enfatiza a interdependência dos eventos humanos, um tempo que submete o mundo dos homens a uma lógica matemática. São contra a mudança brusca, a aceleração do tempo produzida pela modernidade revolucionaria, contra a implantação do futuro no presente, propondo a desaceleração do tempo; tornando o presente mais contemporâneo, objetivando o controle da mudança social, sendo esta previsível e harmoniosa sem quebrar as estruturas sociais.
Os eventos são amortecidos, integrados na sociedade como elementos que a transformam, mas não a muda, a ligação do passado com o presente torna o passado presente e tira a hipótese do presente se tornar passado, representando assim a temporalidade, propondo de acordo com a estrutura grega, anti-histórica que recusa a sucessão e propõe a simultaneidade, a abstração.

A relação entre presente, passado e futuro enfraquece-se, enquadra-se uma representação simultânea, aplicando a dialética da duração, ou seja, as mudanças humanas enquadram-se, incorpora homogeneidade, regularidade, reversibilidade.  A mudança sempre irá pairar sobre uma estrutura sólida que irá absorvê-la, criando a continuidade, pois no interior das estruturas os elementos cíclicos compensam-se, mesmo o evento sendo grandioso ele não rompe com a estrutura que o sustenta; sendo este tempo dos Annales uma desaceleração cautelosa, a mudança que altera o mundo histórico é vista entre as estruturas, o tempo volta a ser devir, porém não há um vínculo entre as estruturas. A história renovou-se teórico-metodologicamente a partir da reconstrução do tempo histórico, com um mundo histórico mais durável, mais resistente a mudanças e menos volátil, incluindo conceitos no conhecimento histórico como análise, problematização, quantidade. As ações humanas são percebidas como coletivas, o homem não é somente o agente da história, mas o resultado da mesma.
Com esta renovação não há a possibilidade de o historiador separar a história, dividi-la em pré-história e história, há a busca do preenchimento de lacunas, da recuperação da palavra, não estando mais submetido a heurística a qual a história só era possível através de documentos. A ampliação do campo dos objetos, das fontes e técnicas históricas é a renovação advinda da proposta teórica da história-problema, a história sendo possível pela existência do problema, este sendo a origem da pesquisa, é o problema que dará a direção para o acesso aos dados sobre determinado tema e a verificação de hipóteses que este provoca; sendo então o historiador um intérprete dos processos históricos, este interroga o passado e constrói os dados necessários que sustentam suas hipóteses, opondo esta história-problema a narrativa da história tradicional.  A história tradicional dá ênfase a história acontecimental, o homem era visto a partir de um olhar de cima na história política, grandes ideias, enfim uma justificativa do poder presente, visava o particular e o singular, retira-se a narrativa histórica de povos e indivíduos livres que caminhavam em direção a liberdade; Com a renovação dos objetos há a mudança no conceito de fonte histórica, enfatizando os condicionamentos econômico-sociais, revelando esta pesquisa, a longa duração. Diferentemente da história tradicional que utilizava de documentos oficiais, a história dos Annales utilizara de documentos que relatavam a vida cotidiana das massas anônimas, como certidões de óbito, nascimento, contratos, testamentos. Procurando preencher os espaços vazios, os Annales utilizavam de escritos como psicológicos, orais, musicais, religiosos, poéticos; assim como diversas documentações das ciências sociais: empresas, balanços comerciais, arquivos bancários, cultos.

A ciência dos Annales representa mais uma forma da busca pela ‘’salvação’’, como a de um mundo pragmático cristão, ou seja, buscam a garantia de uma estruturação do mundo dos homens com estabilidade e harmonia utópicas, pretendendo o controle da mudança brusca, a suspensão do devir e   a permanência da paz, A continuidade controla a sucessão dos eventos, as mudanças sem controle; a utilização de uma estratégia de evasão do tempo histórico que distancia o homem do evento brusco, traumático, almejando um tempo harmonioso constituído pela dialética da multiplicidade dos tempos.

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